quarta-feira, 30 de julho de 2014

De uma Cosmovisão de Verdades em Conflito para uma de Versões em Colaboração possibilitando Vivermos Melhor


"Configurando Cenas Colaborativas na Comunidade.
Contribuições da Mediação e dos Diálogos Facilitados".

Tradução de: “Configurando Escenas Colaborativas En La Comunidad. Aportes de la Mediación y Diálogos facilitados” - Gabriela Jablkowski - terça-feira, 19 de fevereiro de 2013 http://seminariointernacionalmediacao.blogspot.com.br/2013_02_19_archive.html


O tema que eu quero compartilhar neste artigo está vinculado à convivência, em termos gerais, que chamamos de comunitária.

Se compartilhamos algo, a respeito deste assunto, é que vivemos em um momento de confusão, de imensa preocupação e, até mesmo, em momentos de grande tristeza e desolação. E isso não é porque se apresentam, em nossos contextos comunitários, situações conflituosas, nem mesmo porque eles podem ser acompanhados por aquilo que reconhecemos como situações de violência.

A novidade, em minha opinião, é que, como nunca antes, estamos fazendo um esforço para superar a dureza, o enfraquecimento dos laços e a solidão que produz a indefinição e, até mesmo, a não visibilidade própria e dos outros.

Hoje precisamos, mais do que nunca e, sem dúvida alguma (e isso é algo que sempre digo para mim mesma) renovar a vitalidade que nos permita - sem negar a realidade ou perspectivas críticas sobre o ambiente político e social - saber que podemos fazer coisas para viver melhor.

E esse poder "viver melhor", necessariamente, nos remete ou encontra o seu fundamento no conjunto. Então falo de renovar a vitalidade necessária para entrar em um processo no qual cada um pode construir-se naquele que quer ser e, juntos, construirmos a comunidade que queremos ser.

Para tornar isso possível, não podemos nos distrair, nem um momento sequer, do encontro com nós mesmos e do encontro com os outros. Porque os processos de autoconstrução ocorrem no contexto das relações interpessoais (eu preciso dos outros para ser quem eu sou) e processos de construção de comunidade requerem sujeitos interagindo e capaz de observar-se como sujeitos dessas interações.

Como vocês devem ter notado, eu falo em termos de construção. Neste processo simultâneo de autoconstrução e construção do coletivo. E falo em termos de construção, porque a proposta de construir me posiciona frente a duas questões-chave: invenção e encontro.

Invenção, porque, apesar da perplexidade e do sofrimento, temos em nossas mãos a oportunidade de criar novos significados e de abrir novos caminhos para vivenciar que há outras formas possíveis para configurar as relações interpessoais.

Encontro, porque a única maneira de criar outras formas possíveis de se relacionar é refletirmos juntos, repensando os próprios vínculos e experimentando - entre todos - novas práticas que nos permitam viver melhor.

Agora, para poder pensar em termos de "invenção e encontro" é condição prévia dar boas-vindas e dar um lugar de destaque ao desejo e, neste caso, ao "desejo de fazer um futuro melhor para todos".

E notem que eu falo de "desejo de fazer juntos, um futuro melhor para todos" e não apenas de "desejo de um futuro melhor para todos", porque o fazer juntos um futuro melhor para todos envolve um esforço, uma ação que necessariamente é compartilhada.

Fazer juntos um futuro melhor para todos é uma atividade coletiva que requer, sem dúvida, um sonho, uma imagem positiva do futuro, mas também um compromisso, uma ação compartilhada e responsável. Esse esforço conjunto é que nos permitirá "nos tornarmos um coletivo" e tem o status de permanente, do meu ponto de vista. É um esforço que não termina. Um fogo que precisa ser alimentado e que pode até ser chamado de "o nutriente do tecido social, a fundação da comunidade".

Este esforço conjunto deverá gerar e garantir as condições para experimentar outras formas possíveis de nos relacionarmos. A questão, então, é como gerar e garantir essas condições.


Uma resposta possível, encontro, justamente, no título deste artigo; "configurando cenas colaborativas na comunidade. Contribuições da Mediação e dos Diálogos Facilitados".

Para explicar o meu ponto de vista, eu convido vocês a me acompanhar no jogo "para dissecar o título".

Em primeiro lugar, eu quero lhes contar por que eu falo de cenas quando o que eu estou propondo é, certamente, algo muito mais ambicioso, abrangente e transcendente.

Peço para ele me permitam certo atropelo, alguma pressa intelectual em argumentar sobre este ponto. Embora eu saiba que esta ideia permite seu aprofundamento, com mais fundamento, procuro apenas deixar o tema proposto, como um esboço, para poder avançar.

Sob esta licença, parto da seguinte metáfora: tradicionalmente as instituições comunitárias, entre elas a escola, a família, etc., contavam com um roteiro, um texto escrito, a priori, de suas vivências cotidianas que, enquanto homogeneizavam suas práticas, ofereciam certas certezas sobre o que cada ator deveria fazer e sobre o resultado que deveria alcançar. Neste contexto, cada cena pertencia a um quadro representativo padrão mais complexo, abrangente e pré-determinado. Conhecia-se, de antemão, o trabalho e, ao mesmo tempo, era conhecido, de antemão, que vínculo teria lugar entre os atores. As relações sociais tinham programada uma maneira particular de conceber os vínculos sociais e de abordar os conflitos que fossem gerados na interação de seus integrantes.

Por exemplo, no caso da escola, as relações sociais dependiam, fortemente, da legitimação da natureza assimétrica de seus papéis, da aceitação de modos particulares para a compreensão e a resolução de seus conflitos e da forte solidariedade entre a família e a escola, em que a família transferia para a escola sua autoridade. Frases comuns como "a professora é a segunda mãe" ou "a escola é a segunda casa", demonstram essa última ideia.

Este roteiro pode ser sustentado enquanto a ilusão do futuro projetado permaneceu viva: a de que uma sociedade assim educada acabaria sendo mais civilizada, que a educação garantiria o progresso e a ascensão social, etc., etc.

A verdade é que o mundo mudou e com ele as ilusões que sustentavam um determinado funcionamento institucional. Essas mudanças, que afetaram e ainda afetam todos os campos da vida social, produziram o desaparecimento, para não dizer a ruptura, dessa ilusão de futuro em que se apoiavam as práticas institucionais. As mesmas começam a entrar em crise, perdendo sua aceitação, perdendo o consentimento social que as legitimavam.

Então, como assinalou Ignaicio Lewcowicz "se antes os atores institucionais sofriam pelo caráter normativo gerado a partir da vitalidade das representações simbólicas, com seu desvanecimento os atores institucionais começam a sofrer com a incapacidade de estabelecer, por falta de normas, de códigos e representações comuns que unam e promovam a construção de vínculos”.

A configuração cênica atual já não consiste na construção da diferença dentro de um universo que tende para a homogeneização. Hoje, a configuração cênica é o meio através do qual cada grupo social pode configurar os seus significados e organizar os vínculos entre seus atores.
A direção se inverte. Agora é mediante a configuração cênica, que se pode chegar a representações e significados, com a ressalva de que estes não já não são universais, mas individuais e situacionais: eles funcionam para esse grupo e em suas circunstâncias específicas.
Isso é algo bem menor que um roteiro que busque a universalização. Se o pensarmos em termos estatísticos, é definitivamente menos abrangente, mas extremamente potente, se pensarmos em termos de ressonâncias pessoais e de recomposição de tecidos sociais.

Em segundo lugar, seguindo na análise do título deste artigo, quero explicar por que modifico o conceito cenas com o adjetivo colaborativo.

A experiência me diz que a configuração de cenas colaborativas promove a construção de novos significados e práticas para a convivência comunitária. E isto é precisamente o que procuramos.

Para explicar por que eu o entendo assim, vou deter-me, em primeiro lugar, em algumas características que identifico como princípios constitutivos das cenas colaborativas. Eles são:

A hospitalidade
O dialogar e conversar
A liderança (protagonismo) compartilhada / distribuída
As visões compartilhadas
O estabelecimento de acordos
O enfrentamento positivo dos conflitos

Tentarei resumir o que entendo sobre cada um desses recursos:
A hospitalidade refere-se a abandonar o uso de significados universais para propiciar a aceitação das diferenças e dos mistérios que carregamos. Hospitalidade é o que nos permite, em vez de verdades, falemos de Versões, que as diferentes perspectivas, colocadas pelos atores, tenham lugar na cena. Neste sentido habilita, como diria Maturana, o mútuo reconhecimento, o reconhecimento de cada um de nós como um "legítimo outro". Falar de hospitalidade implica, então, falar de um quadro de refúgio para que as expressões genuínas dos participantes tenham oportunidades de ser ouvidas e compreendidas. E envolve uma estrutura de confiança em si mesmo e no outro, no que é conhecido e no que ainda não conhecemos, nas potências, nas possibilidades. A hospitalidade, neste sentido, também implica um compromisso com o futuro.
Menciono o diálogo como característica constitutiva porque o entendo praticamente como sinônimo de encontro. O diálogo é uma conversação, ou seja, um movimento que gera uma conversão, uma modificação, uma mudança, um crescimento por deslizamento a partir da posição inicial. Entendo o diálogo, insisto, como um movimento, uma espécie de encontro com o outro que, juntos, constroem uma instância de superação das iniciais, de onde se negocia e criamos novos significados. Os atores da situação dialógica não procuram, como no debate, a afirmação da própria posição. O diálogo, ao contrário de outros atos de linguagem, longe de enclausurar promove uma atitude  de abertura, uma disposição de mudar.
Com co-liderança (liderança (protagonismo) compartilhada / distribuída) entendo que cada pessoa e todas, em situações de igualdade, são consideradas sujeitos  e não objetos cênicos. Enquanto que com o termo protagonismo foi enfatizada a autonomia e responsabilidade individual, com o termo co- protagonismo reforço a ideia de rede, de uma espécie de "sociedade inclusiva, igualitária e interdependente em que os jogadores sustentam o objetivo de criar algo juntos.
A visão compartilhada é a característica que enfatiza, na cena colaborativa, a perspectiva de futuro. A visão compartilhada, a imagem compartilhada de futuro permite ao emergente assumir o status de motor para a mudança. É a imagem coletiva que cria a disposição de ir adiante. Esta imagem construída coletivamente simultaneamente se alimenta e nutre o desejo de fazer coisas juntos.

Os acordos, construídos coletivamente, a partir das expectativas e visões comuns, tornam-se a garantia da estabilidade, pois permitem que o jogo cênico torne-se regulamentado. Os acordos reconhecem as ações e atitudes que cada um tem que fazer / ter para conseguir o que se quer fazer juntos. Reconstrói a ligação entre o ter e o querer e essa religação é a plataforma que sustenta os esforços. Os acordos, por estar acima das singularidades, tornam-se uma pequena, mas por vezes, poderosa manifestação da Lei. E, enquanto lei: ao mesmo tempo em que restringe, habilita, protege, iguala.

O enfrentamento positivo dos conflitos permite que os atores percebam as situações de conflito como processos ao invés de produtos. Isso lhes permite diferenciar as pessoas dos problemas, e permite realizar experiências de trânsito positivo do conflito para a mudança. Sabemos que as diferenças, quando são percebidas como antagônicas, geram divisões, confrontos, tensão e / ou ideias divergentes sobre os caminhos a seguir. Passar do confronto para o enfrentamento dos conflitos habilita caminhos para o encontro ou a construção de novas alternativas.


Necessito destacar mais duas questões sobre essas características.

Primeiro, que foram selecionadas, partindo da identificação em práticas de trabalho e não excluo que outros fatores afetem na construção das mesmas.

Em segundo lugar e, em minha opinião o mais importante, é que todas essas características ocorrem simultaneamente, formando uma rede complexa, interdependente e inter-relacionada.

Cada característica é tanto um princípio (por isso os nomeio como constituintes) e um local de chegada. São requisitos e consequências, causa e efeito, parte e todo. Todas elas,  simultaneamente, predispõem ao mesmo tempo que compõem a cena colaborativa.

As instituições comunitárias, como eu as entendo, têm que promover que essas características ganhem vida em suas cenas e, para isso, devem garantir que elas sejam percebidas e vividas como princípios constitutivos. Para gerar as condições necessárias para a configuração de cenas comunitárias colaborativas, as instituições devem garantir a experimentação de suas características como princípios fundantes.

Para acabar com a dissecação do título deste artigo, me deterei em dois métodos que, em meu entendimento, fornecem informações e dispositivos para a configuração de cenas comunitárias colaborativas. Falo dos Diálogos facilitados e da Mediação.

Ambas as metodologias são e, ao mesmo tempo, promovem (garantem e geram) a configuração de cenas colaborativas. O entendo assim porque:

·         Permitem trabalhar o objetivo de transformar os vínculos.

·         Tem como premissa revalorizar recursos e oportunidadesexistentes e gerar outras, inéditas, para construir realidades comuns e novos caminhos para sua consolidação.

·         Não tratam de suprimir o conflito, mas sim trabalhar com a diferença e a diversidade de perspectivas como fonte de enriquecimento para novas relações.

·         Buscam intervir em um processo que estimula a construção e a criatividade social.

·         Dão vida ao conceito de "poder" como um verbo (e não um substantivo), o que é o importante para a construção de  futuros, para entrar no universo das possibilidades.

O que é mediação e a facilitação de diálogos, senão um compromisso com a construção de um mundo melhor para todos?

No processo de mediação e facilitação, temos a oportunidade de gerar e garantir as condições para que tenham espaço os esforços que favorecem a restauração do tecido social. Isto possibilita redefinir o pensável, o possível e o conhecimento: sobre nós mesmos, sobre os outros, com os quais nos relacionamos, sobre as formas em que se estabelecem essas relações.

As estratégias de intervenção dessas metodologias são, definitivamente, estratégias de ligadura. Convidam a compor e compor-se pensando com outros, inventando como estar nessa situação, habitando-a, e assumindo de antemão como tem que estar o que se necessita para viver lá.

Eu estou falando, então, de uma mudança de paradigma, que, como diz Mark B. Woodhouse sempre mudar nossa definição do que é possível."

Agora, para abrir a porta para o universo do possível, se exige uma mudança de epistemologia. Nós não podemos mudar nossas suposições fundamentais sobre o mundo sem mudar a nossa forma de obter conhecimento sobre ele. A cada visão de mundo corresponde uma forma de saber, uma epistemologia.

E se aceitarmos a ideia de que todos nós conhecemos de maneiras distintas e compomos mundos diferentes, como chegamos a pontos de vista comuns? Definitivamente, a resposta está no diálogo, no intercambio.

Spinoza define o conceito de "corpo" simultaneamente de duas formas. Por um lado, um corpo, por menor que seja, comporta sempre uma afinidade de partículas. São as relações de repouso e movimento, de velocidade e lentidão, entre as partículas, que irão definir o corpo, a individualidade do corpo. Por outro lado, um corpo afeta a outros corpos distintos e é afetado por eles; este poder de afetar ou de ser afetado também define um corpo em sua individualidade.

Da minha perspectiva, quando dialogamos em uma mediação ou facilitação devemos incentivar que os corpos se afetem, se modifiquem, como plataforma para emergir as coisas que não eram registradas anteriormente. Nesse sentido, o espaço ético que se abre é um espaço de produção subjetiva e produção de novas realidades construídas a partir de nós. Nestas metodologias "conversamos", ou seja, nós conseguimos "conversões".

O "nós" reconhece que cada um dos que compõem o plural é sujeito ativo em seu processo constitutivo e não objeto do pensar de outros.

A partir desta perspectiva, entendo que a recomposição dos laços sociais, o esforço contínuo para fazer - juntos - um futuro melhor para todos, não se baseia na ideia de defender a ausência de conflitos, de desacordos, de diferenças, de disputas.

Fazer o esforço conjunto para construir um futuro melhor para todos implica:

·         Reconhecer as virtudes e os valores de cada integrante da comunidade e aqueles produzidos no coletivo.

·         Adotar um paradigma positivo e construtivo sobre conflitos.

·         Criar uma ética do presente e para o futuro.

·         Gerar o movimento de estruturas  individualistas para a construção da participação comunitária responsável.

·         Incentivar a construção de uma consciência coletiva que nos permita, diariamente, renovar a vitalidade necessária para construir e viver a interdependência que liga com igualdade, justiça e alegria.

 



 

Ignaicio Lewcowicz, “Pensar sin Estado” Ed. Paidós, Buenos Aires, 2005.

 

Woodhouse, Mark “Paradigm Wars: wordviews for a new age” Frog. Lta. 1996

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Um livro divertido e profundo sobre o inicio da caminhada do Homo Sapiens - Por que almocei meu pai, Roy Lewis


 
Quando peguei esse livro para ler, possuía uma imagem completamente equivocada a seu respeito. Não que ela fosse pior, ou melhor: apenas diferente.
Eu estava ciente que era um livro de comédia, apesar de se apoiar em dados cientificos, mas não achava que a coisa seria tão profunda: esse livro me lembra O Guia Do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams!!
(Acho que somente este comentário já diz muito a respeito do livro, e espero que os não-fãs de Douglas Adams não deixem de ler essa obra.)
O livro inteiro é narrado em primeira pessoa, pelo personagem Ernest, filho mais velho do líder do bando de subumanos, como eles mesmos se chamam. A narrativa começa explicando como é a vida no Pleistoceno, e todos os perigos e dificuldades pelas quais esses novos humanos estão passando.
Conforme a narrativa segue, é mostrada a evolução do grupo: é descoberto o fogo, o fortalecimento das pontas de sílex das lanças, a descoberta do ‘churrasco’ e assim por diante.
Uma coisa que chama bastante a atenção – e é um dos pontos mais cômicos da obra - é a complexidade dos diálogos entre eles e a constante consciência de que eles precisam se esforçar pra evoluir e dar origem à espécie humana.

[...] -O segredo da indústria moderna está na utilização inteligente dos subprodutos – pontificava, franzindo a testa. Depois se abaixava de surpresa, agarrava uma criança que engatinhava, beijava-a estrepitosamente e gritava para minhas irmãs: - Quando é que vocês vão entender que aos dois anos todos já devem andar? Afirmo que precisamos reverter a tendência instintiva de voltar à locomoção quadrúpede. Caso contrário, todo o nosso esforço se perderá! Cérebro, mãos, tudo! Começamos a caminhar eretos no Miocenom e se acreditam que permitirei que um punhado de moças preguiçosas destruam o esforço de milhões de anos de progresso, estão muito enganadas. [...]

A construção dos indivíduos da horda é bem diferenciada: há o Papai, chefe da horda e gênio inventivo; três viúvas lamentosas; Mamãe, que possui a típica imagem materna e apaziguadora; Tio Vanya, que seria a contraparte de Papai, personagem que esbraveja sobre a antinaturalidade da evolução; os irmãos e irmãs de Ernest e futuramente, as esposas dos mesmos.

[...] -, quando eu a cacei, vc deliberadamente correu com todas as forças, atravessando pântanos e rios, e a mata impenetrável, escalando e descendo montranhas como se fosse um cruzamento de pato com avestruz e cabra..
- Querido, mas que maneira tão meiga de me descrever!

O desenrolar da história acaba sendo completamente diferente do que você pode pensar a princípio – pelo menos foi desse jeito pra mim. -, e o título só é compreendido bem no finzinho do livro.
Sei que a maioria pode não gostar, principalmente pela sátira envolvida. Mas eu adorei! De uma maneira geral, o livro inteiro possui uma escrita direta, divertida e inteligente, fazendo troça ao mesmo tempo que expõe fatos. Gostaria de dizer mais, mas como ele é curto e cada página é recheada de informações, tenho medo de me estender demais e acabar entregando o livro todo pra vocês!
Então, se algum dia você acordar sentindo vontade de uma leitura mais cult, mas que seja leve, super recomendo esse livro!
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Por que almocei meu pai, Roy Lewis
 
Porque almocei meu pai é um livro de caráter cômico e tem como alicerce a teoria do homem-macaco, contradizendo a antiga história bíblica. Baseia-se na busca incessante pela evolução da espécie, onde os personagens têm plena consciência do seu estágio evolutivo.
O enredo tem como principal característica a evolução e a descoberta do fogo, e sua dominação, questão de extrema importância para o progresso da espécie, seja pela confecção de armas e seu aprimoramento, cozimento dos alimentos (facilitando a mastigação e a digestão), refúgio dos predadores, entre outros marcos que o fogo proporcionou. O narrador personagem é Ernest, filho de Edward o chefe da horda, o principal representante do desenvolvimento do homem-macaco, sendo capaz de qualquer coisa para concretizar suas ideologias evolucionistas. Tio Vanya, homem contraditório que defendia a tese da evolução natural, mantendo a idéia retrógrada da volta dos homens-macacos as árvores, contestando e ao mesmo tempo desfrutando das “tecnologias superiores” de seu irmão, Edward.
As mulheres tinham um papel submisso dentro da horda, pois permaneciam na caverna cuidando das crianças menores (porém Edward achava que todas as mulheres tinham por obrigação aprender as tarefas praticadas pelos homens, como o manuseamento do sílex), enquanto Edward e seus filhos, Oswald, Ernest, Wilbur e Alexander saiam para caçar. Cada um deles tinha um talento característico, Alexander, por exemplo, revelou-se o primeiro artista da História quando aprisionou a sombra do Tio Vanya com um desenho, crédulos que ao cativar a alma de um animal estariam facilitando assim a sua caça, foi a partir deste momento que surgiram as representações rupestres. O único que não tinha talento nenhum era Ernest, porém no decorrer da história ele demonstra grande aptidão autoritária, contestando muitas vezes as Inovações Tecnológicas de seu pai Edward.
O livro relata o princípio da exogamia quando Ernest e seus irmãos são obrigados pelo seu pai a se relacionar com outras mulheres de hordas diferentes, para disseminar a evolução entre as espécies (arrebatando suas futuras esposas de suas hordas, simulando um rapto com violência), surgindo a partir desse conceito, o tabu do incesto, relacionamentos entre pessoas da mesma origem consangüínea. É perceptível a influência de Roy Lewis em relação à obra Totem e Tabu de Sigmund Freud.
Ernest passa a contestar Edward por seus exageros idealistas, principalmente quando o mesmo decide propalar suas idéias aos hominídeos, após ter incendiado boa parte da mata que estava ao redor da caverna da sua família, em uma amostra imprudente de como se fazia fogo, que até então era utilizado de conservas naturais (vulcões). Em conseqüência da tragédia em que quase toda horda foi consumida pela conflagração, foram em busca de uma nova cripta, onde foram hostilizados por espécies distintas de hominídeos, impondo lhes restrições, dando início a grandes acontecimentos.
Edward em busca de uma aceleração na evolução das espécies propagou o segredo do fogo, gerando conflitos com toda horda, principalmente com Ernest que foi minuciosamente influenciado por Griselda sua esposa, a cometer o parricídio após ter lhe contado suas teorias filosóficas sobre a conexão dos sonhos com a idéia de morte. O livro se finda com a última e maior invenção feita por Edward, o arco e a flecha, que ironicamente foi o agente de sua morte, intencionalmente ocasionada por seus filhos, o qual acabou como alimento de sua própria horda e com a sutil impressão que tudo fora contado por Ernest a um/alguns filhos seu.
Em comparação com o livro de Enriquez (Da Horda ao Estado), em que o autor exerce profunda análise com a obra de Freud (Totem e Tabu), nota-se a explicita relação social entre pai e filhos, onde, o parricídio é praticado em apatia à arbitrariedade do chefe, como por exemplo, a proibição do incesto, ocasionando a antropofagia que é a obtenção do poder e habilidades adquiridas pelo pai – tem início a fase superior do estado selvagem.
ENRIQUEZ, E. Da Horda ao Estado: Psicanálise do Vínculo Social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

LEWIS, Roy. Porque Almocei Meu Pai. Companhia das Letras, 1993.

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Atenciosamente.
Claudio Estevam Próspero 
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Antes de imprimir, pense em sua responsabilidade e compromisso com o MEIO AMBIENTE.

Nossa Espécie (Homo Sapiens Sapiens Demens - Edgar Morin) Agradece!